Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

Neste texto damos continuidade à primeira parte deste debate sobre defeitos de argumentação na escrita ficcional. Estar atento a esses detalhes é fundamental para a construção de personagens e suas personalidades, pois um personagem consistente não deve apresentar contradições entre o que ele faz e seu perfil “psicológico”.

E onde os argumentos entram? Bem, um personagem que se propõe a ter tal ou tal comportamento ou posicionamento deve ter argumentos – comportamentais e de fala – que sejam verdadeiros dentro do enredo da história.

Complementando nossa discussão, abordaremos dois defeitos de argumentação mais ou menos comuns em textos de escritores inexperientes, mas que podem ser facilmente corrigidos: 1) uso de noções ou conceitos de forma imprecisa; 2) exemplos ou ilustrações contraditórias com a premissa.

O uso dos conceitos, mas nem tanto

Um dos principais problemas de argumentação em uma narrativa diz respeito ao uso equivocado de conceitos. Isso pode ser uma coisa mais pontual ou um erro de premissa mais profundo.

Imagine que seu texto ficcional é um romance histórico e ele passa em um cenário medieval, mas cujos eventos ocorrem na América pós-descobrimento. Ora, as grandes navegações em direção ao “novo mundo” datam da virada do século XV para o XVI (já no período histórico da Modernidade), ou seja, fazer uma ambientação medieval neste contexto é um erro conceitual de premissa.

Esse tipo de erro pode ser bem mais elementar e, portanto, mais fácil de corrigir. Imagine que você queira retratar uma distopia autoritária, mas ao invés de chamar o sistema político de autoritarismo, você o denomina como comunismo? Trata-se de um erro conceitual terminológico.

É evidente que é possível haver governos autoritários comunistas (assim como capitalistas), mas, a rigor, o termo se refere a um regime econômico no qual os sistemas de produção pertencem ao Estado e não à iniciativa privada.

Esses deslizes têm uma explicação lógica: trata-se de uma significação subjetiva – isto é, a partir das crenças de cada sujeito – de conceitos que são relativamente estáveis e cientificamente postulados.

Sempre se pode usar essas estratégias de forma consciente, para construir um personagem volátil e de reflexão vulgar, por exemplo. O importante é que o autor tenha domínio racional do que está fazendo e desenvolva um texto de forma consistente.

Ilustração de uma pessoa dando explicações a outras pessoas
Imagem: Wikimedia Commons / CC

Defeito de exemplo ou ilustração na ficção

Usar exemplos é sempre uma ótima maneira de ilustrar e apresentar um argumento. Em um diálogo ficcional esta pode ser uma estratégia bastante efetiva.

Nestes casos é fundamental que a introdução ao tema implique, necessariamente, a conclusão a que o exemplo pretende ilustrar. Vejamos um caso muito claro apresentado no livro que inspira esta série de textos sobre argumentos, chamado Para entender o texto, de Platão e Fiorin.

Eram oito da noite: horário de verão. O sol, aos poucos caindo, parecia mergulhar nas profundezas do mar, deixando atrás de si um rastro de cores indefiníveis e uma atmosfera de mistério e compenetração. Contagiado por aquele momento de grandioso espetáculo da natureza, acabei por concluir que a vida é cheia de altos e baixos e que precisamos enfrentar com coragem as dificuldades e exultar com vibração diante do sucesso.

(PLATÃO; FIORIN, p. 211)

O que este texto mostra, e os autores Platão e Fiorin destacam na referida obra, é que a conclusão está descompassada com a premissa. Isso porque a conclusão faz alusão ao fato de que “a vida é cheia de altos e baixos”, mas todo o texto que é apresentado antes faz uma ode ao pôr do sol como “grandioso espetáculo da natureza”.

Não há, neste caso, unidade entre a contextualização da cena e o desfecho, que fica mal explicado. Este defeito de argumentação fragiliza o enredo e faz a história e seus desdobramentos perderem força.

Por fim, caberia ressaltar que convém sempre fugir de fórmulas moralizantes quando se trata de escrever ficção. O mais importante é sempre tentar fugir da vala comum da solução fácil. É possível criar reviravoltas em uma estória ou narrativa, sem perder a unidade da argumentação.

Faça da literatura seu exercício diário de mostrar que entre o branco e negro há incontáveis tons de cinza!


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Clube de Criação Literária

Clube de Criação Literária é uma dessas ações de mecenato coletivo – neste caso, em favor do escritor e tradutor Robertson Frizero. Mas, como o próprio nome sugere, é uma ação de mecenato que traz, também, uma ideia inovadora no campo da formação continuada em Escrita Criativa.

Programação de maio do Clube de Criação Literária

A programação traz, em dias alternativos, alguns encontros já ministrados e que foram solicitados por vocês para uma reedição.

Esses cursos serão abertos ao público em geral, mas para afiliados do CCL há um desconto de 60% no valor. Caso indique um aluno para o curso que efetive sua matrícula, o afiliado ganha bolsa integral na atividade. O primeiro tema será a Escrita de Roteiros Audiovisuais.

Porgramação Julho Clube de Criação Literária
Porgramação Julho Clube de Criação Literária

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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