Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

“O QUE HÁ EM UM NOME?” – Escolhendo títulos de impacto para os seus textos e livros

Robertson Frizero

A famosa frase é de William Shakespeare na tragédia “Romeu e Julieta” – Julieta diz a Romeu que seus sobrenomes, marcas das disputas e do ódio entre as famílias, nada significam diante do amor que sentem, usando estas palavras:

“What’s in a name?

That which we call a rose

By any other name would smell as sweet.”

(O que há em um nome?

Aquilo a que chamamos Rosa

Se tivesse outro nome, teria o mesmo doce perfume.)

Se a beleza dessas palavras em relação à experiência humana soam, por séculos, belas e acertadas, é falso aplicá-las à difícil arte de dar títulos a textos literários e livros em geral. E é fácil entender a razão: trata-se aqui de um arranjo de palavras que pode garantir o sucesso de uma obra ou simplesmente a enterrar no oceano de publicações disponíveis no mundo dos livros.

David Lodge, romancista e crítico literário britânico, em seu A Arte da Ficção afirma, ao falar de romances, que o título é “parte do texto – a primeira parte que encontramos, a bem da verdade – e [que] por isso tem um poder considerável de atrair e condicionar a atenção do leitor”. De fato, o título de um livro – ou mesmo de um texto apenas, seja um conto, poema ou crônica – transmite ao leitor um sem-número de ideias sobre o que ele irá encontrar naquelas palavras. Ali, o leitor pode perceber o tom da obra, o gênero e subgênero com os quais se alinha e até mesmo que posicionamento o autor tem sobre aquele tema proposto.

Imagem da capa do livro Socorro Furtado, de Robertson Frizero. Trata-se de um recorte da obra Mulher sentada de perfil (1909), Jean-Louis Forain, National Gallery of Art, Washington DC, EUA.
Mulher sentada de perfil (1909), Jean-Louis Forain, National Gallery of Art, Washington DC, EUA.

Os títulos podem sugerir muito. Podem informar, de imediato, quem é o personagem-principal ou o personagem-foco – pense em “David Copperfield”, de Charles Dickens; “Emma”, de Jane Austen; ou “Orlando”, de Virginia Woolf. Pense em “Clarissa”, de Érico Veríssimo, ou “Helena”, de Machado de Assis. Mas repare que o título homônimo às personagens carrega mensagens sutis – seja a referência a outras personagens de mesmo nome, como é o caso da Helena troiana do romance machadiano, ou mesmo a sugestão que o próprio nome traz por sua etimologia e origem, como o estranhamento nativo de “Iracema”, romance de José de Alencar. Uso isso em meu romance “Socorro Furtado” – além da associação direta entre o clamor do primeiro nome e a situação da personagem-título, há ainda o sutil jogo com o sobrenome, que o leitor só descobrirá lendo a obra…

Títulos de romances

Os títulos podem trazer também a ambientação, como “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brönte, ou “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa (Em tempo: já tinhas reparado no uso dos dois pontos nesse título do clássico romance brasileiro?); é o recurso que usei em “Longe das Aldeias”. Os títulos podem ainda trazer o tema central da obra – “Orgulho e Preconceito” e “Razão e Sensibilidade”, de Jane Austen; “Guerra e Paz”, de Liev Tolstói; “Gente Pobre” e “Crime e castigo”, de Fiódor Dostoiévski; “Os Miseráveis”, de Victor Hugo –; uma metáfora, como os títulos da série “Crepúsculo”, de Stephanie Meyer (cada um deles em referência a um acontecimento-chave de cada volume e formando um contínuo de descrição dos movimentos do sol!); ou ainda uma citação – “O Som e a Fúria”, de William Faulkner, é uma citação de Shakespeare; “Olhai os Lírios do Campo”, de Erico Veríssimo, é uma referência aos Evangelhos.

Qualquer que seja o caminho escolhido, é importante que o título fale mais sobre o livro que apenas servir de referência. É importante, por exemplo, que o título sugira a que gênero, subgênero e mesmo faixa etária aquele livro é destinado. “Horror na Colina de Darrington”, do brasileiro Marcus Barcellos, não deixa dúvidas de que o livro é um romance de terror – e ainda tem a genial sacada de ecoar como os livros e filmes norte-americanos do gênero que fazem parte do universo de seus leitores.

Fuja dos títulos genéricos

Esse mesmo efeito dificilmente se consegue com títulos genéricos demais – faça uma pesquisa e veja quantos livros disponíveis do mercado tem como título “O Casamento”, por exemplo. E que informações carregam esse nome? Quase nenhuma. Não consigo definir, sem olhar a capa e o que ela possa me sugerir visualmente, a que gênero ou subgênero um livro com esse título pertence, menos ainda a faixa etária de seu público-alvo…

O título precisa espelhar o leitor! Mais que isso: precisa ser de fácil recordação. Um título breve e sonoro fará muito mais pela obra que um outro de difícil memorização. Imagine que a obra estará boiando em um mar de referências e publicações; então, facilite o leitor dando-lhe um salva-vidas: um título que seja marcante e breve é o ideal. Lembro sempre dos títulos dos romances policiais de minha grande amiga Carina Luft: Fetiche e Verme. Breves, sonoros e muito instigantes para o gênero. O primeiro desses romances tem um título tão perfeito que foi mantido em sua tradução para o alemão: Fetisch. Perfeito!

Nem sempre a primeira ideia é a melhor

Um último recado é interessante compartilhar com os colegas escritores: desapeguem-se de seus títulos iniciais; sejam humildes em aceitá-los como títulos provisórios de suas obras. A escolha de um título de livro, principalmente, é algo que deve ser feito juntamente com o editor, que é o profissional que melhor entende o mercado editorial e seu momento.

Pedro Almeida, um dos maiores editores do Brasil, ex-curador do Prêmio Jabuti, com vasta experiência no mundo dos livros, diz que “o título de um livro é tão importante que pode marcar a sorte – toda a felicidade, todo o alcance – da obra que não é algo que possa ser ignorado, ou não possa ser mudado porque foi estabelecido há muito tempo; como editor, dou-me o direito de mudar o título de livro até o último momento“. Almeida, que é o nome por trás de fenômenos editoriais como “Marley & Eu” e “A Garota do Lago”, conta que já alterou nomes de livros a caminho da gráfica – e aquela mudança foi crucial para o sucesso da obra.

Capa longe das aldeias - 2ª Edição

O nascimento do título “Longe das aldeias”

Devo falar da minha experiência pessoal – e que, aliás, envolve o mesmo Pedro Almeida, hoje meu querido amigo: quando eu estava buscando uma editora para o “Longe das Aldeias”, enviei o original para dois editores de São Paulo, indicados pela escritora Susana Ventura, queridíssima amiga, para que lessem o volume e dissessem se havia algum futuro no horizonte do mercado editorial… Um deles era Pedro Almeida; a outra, a grande Maria Conceição Azeredo. Ambos deram a mesma resposta: o livro é bom, para ganhar prêmios, mas o título não diz nada antes da leitura.

O título com que trabalhei desde o início do projeto era “Desmemórias”; soava bonito, era curto e memorável, e até oferecia uma ligação com o teor da obra. Mas, ao chegar na mesa de negociação com o editor Rodrigo Rosp, da Dublinense, já apresentei o original dizendo que o título era provisório. Ele achou estranho, gostava do título, mas as razões apresentadas por meus dois anjos-da-guarda editoriais convenceram-no também. E “Longe das Aldeias” foi salvo de um título fraco que, alguns anos depois, acabei vendo na capa de um outro livro…

Não sou o único a ter um livro salvo pela mudança de título nas mãos de um editor: “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, tinha sido batizado como “As Aventuras de Alice no Subterrâneo”; “Guerra e Paz” era “Tudo está bem quando termina bem”; “Orgulho e Preconceito” era “Primeiras Impressões”; e “A Máquina do Tempo”, de H. G. Wells, título que entrega tudo o que precisa para o leitor, iria se chamar “Os Argonautas Crônicos”.

Então, seja inteligente: mesmo muito consciente das razões pelas quais você criou aquele título, diga ao editor sempre que espera ouvir sua opinião sobre o nome do livro. Pode ser o início de um grande triunfo literário – e de uma amizade muito producente com seu editor.

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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