Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

A poesia tradicional japonesa fascina o Ocidente desde a sua “descoberta”, quando o Imperador Meiji promoveu – em parte, forçado pelos norte-americanos – a abertura dos portos japoneses – e, por conseguinte, do país – às demais nações do mundo. Isolados por séculos, os japoneses desenvolveram formas próprias de poesia, ainda que muito influenciadas pela poesia chinesa clássica.

Uma dessas formas tradicionais de poesia era o TANKA. Sua regra de composição era a estruturação em duas estrofes – a primeira, um terceto formado por versos com a métrica 5-7-5 (um verso de cinco sílabas métricas, um verso de sete sílabas métricas e um verso de cinco sílabas métricas) e um dístico com a métrica 7-7.

Diferente da poesia ocidental, nos TANKA é raro que a relação entre as estrofes apresente um claro nexo lógico. O que costuma haver é uma justaposição de imagens entre o terceto e o dístico; outra possibilidade é que o dístico seja um comentário ou exemplificação do clima geral estabelecido no terceto.

Imagem de um pergaminho oriental com uma Renga, conjunto de tercetos e dísticos escritos com ideogramas japoneses.
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O que é Renga

O RENGA é a sequência de TANKAS encadeados. Era uma forma de poesia coletiva, escrita a muitas mãos. Não raro, tomava a forma de um diálogo, no qual o poeta respondia à “provocação” poética do que fora escrito antes. Das regras do RENGA para a composição do HOKKU (primeira estrofe, com métrica 5-7-5) é que veio a forma que hoje conhecemos como HAIKAI.

A prática do RENGA tornou-se um entretenimento da nobreza e servia até mesmo para a corte amorosa. Como exercício da Oficina Literária de Haicais oferecida gratuitamente pelo escritor Robertson Frizero em julho, os participantes compuseram um RENGA respeitando não apenas a métrica daquela forma de arte poética, mas também os princípios da temática e do olhar sobre o mundo que pregaram mestres do Haicai como Bashô e Issa.

Card da Oficina de Haicais do Clube de Criação Literária. Trata-se de um retângulo com a imagem de um oriental ao centro.

Autores

Os autores que participaram deste RENGA são: Ana Aygadoux, Ana Mello, Ana Paula Figueiredo, Angela Martins, Cecília Botana, Cida Nunes, Cláudia Nolasco, Creusa Alves, Elaine Segura, Guilherme Balarin, Jurema Rangel, Letícia Lai, Luís Lucini, Lourenço Moura, Magda Costa, Robertson Frizero, Taís Oya, Tatieli Machado e Viviane Alves.

Renga do Clube de Criação Literária

⛩️
Inverno tardio —
as abelhas recolhidas
não espalham pólen.

O segredo da colmeia
Em seu silêncio desperta

A terra repousa
um novo ciclo que chega
colmeia agitada

Todo o bosque ouve zumbidos,
alvoroço organizado.

Voos de colibris;
andorinhas em rasante —
vultoso banquete.

O céu límpido do inverno
de cores e sons reveste-se

No lago do parque
os cisnes negros deslizam-
risos das crianças

O sol refletido na água
brilha nos olhos dos cisnes

Árvores floridas
circundam o verde lago
Colorido parque

Crianças, flores no peito
ou no cabelo, se enfeitam.

Nas árvores nuas
Florece uma orquidea branca –
Milagre de inverno.

Um eco vem no horizonte
Com o sorriso das aves

Passaros afoitos
No pe de jacaranda
Escondem no ninho

Aragem no fim de tarde
Com a luz do sol poente

Num oco de tronco
Os passarinhos recolhem-se
Piam os filhotes

O sol poente clareia
Copas, escalas distintas

O breu unifica
Reflexos das avoantes
Céu enluarado

Em um fino vento uivante
Deitam-se os fortes bambus

Em noite de inverno
No breve olhar da coruja
Duas luas cheias

fixam-se num camundongo
à procura de alimento.

Filhotes afoitos
aguardam silenciosos
dentro do seu ninho.

Filhotes antes famintos
Dormem bem alimentados

Nas sombras na noite
A mãe coruja é veloz
Jantar garantido

Flores dançam com o vento
Vida que espalha na terra

Borboleta voa
Colorindo o céu de encanto
A beleza em voo

As borboletas em voo
Interrompem seu bailar.

Mudança de tempo
Tempestade se anuncia
Folhas que balançam.

Homens saem para fora,
Não há nenhum bicho à vista.

As nuvens escuras,
Frio vento que assobia –
Grossas gotas caem.

Um sorriso sorrateiro
No rosto de uma criança.

Descendo a ladeira,
O menino olha a pipa
que o vento levanta.

Pássaros em sintonia
De um inverno se despedem

O vento sussurra
Brotos tímidos despertam
Vozes na floresta

Os bichos são alertados
Novo ciclo recomeça

No nosso planeta
O sol e a lua se alternam
Duração da vida

A vida é latente, sempre –
tal qual abelhas no inverno.

⛩️

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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