Robertson Frizero

Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

Roberton Frizero

Aos noventa e dois anos, quase oitenta de carreira, nada seria mais justo que Lygia Fagundes Telles, uma das maiores escritoras brasileiras vivas, ganhasse o reconhecimento da Academia Sueca. Ela já tem o reconhecimento dos leitores de língua portuguesa, premiada que foi com o Jabuti e o Camões, eleita para a Academia Brasileira de Letras, mas o Nobel relembraria ao mundo — ela já foi traduzida para pelo menos oito idiomas — a existência dessa genial autora brasileira.

Confesso que conheço mais seus romances que seus livros de contos, mais numerosos em sua produção. O primeiro que li, Ciranda de Pedra (1954), tornou-se de imediato um de meus romances brasileiros favoritos; é um romance de formação muito rico na construção das relações psicológicas entre as personagens do mundo hostil em que Virgínia, menina afastada da família pela mãe divorciada, é rejeitada. Esse seu primeiro romance fala de temas tabu para a época, como a homossexualidade, o divórcio e a opressão feminina — um ato de coragem para uma escritora que então se lançava em um ambiente literário dominado por escritores homens.

Impulsionado pela adaptação cinematográfica, li As Meninas (1973), escrito com mão firme e ousada escolha de focos narrativos que se alternam para contar o encontro de três amigas em um pensionato paulistano durante a ditadura militar. As personagens servem para que a autora teça um panorama corajoso daqueles anos de chumbo e do pensamento que dominava os jovens naquele momento histórico.

As horas nuas (1989), romance da maturidade, é talvez sua obra-prima, trazendo também a marca da ousadia na escolha e alternância dos narradores para contar a história, repleta da alma de seu tempo, de uma atriz que recorda os homens de sua vida. Desses três romances que li da autora, ficou marcada a forma como ela consegue lidar com temas atuais e pungentes sob um viés sempre subjetivo, que passa pela interioridade das personagens. As relações amorosas quase sempre resultam em frustração, não raro em nome de se manter as aparências e a hipocrisia exigidas pela sociedade.

Não há, nos romances, o traço fantástico que surge mais forte em boa parte de seus contos e que também é motivo de admiração em sua obra. Essa é outra faceta da autora a ser descoberta pelos leitores que ainda não a conhecem — uma faceta encantadora, aliás: partindo quase sempre da infância como período de assombros, ela constrói narrativas em que imaginação e memória confundem-se. As fronteiras entre fantasia e realidade, em seus contos, são tão sutis que, muitas vezes, perdem-se aos olhos do leitor. Tudo em suas histórias é fluido e impreciso — não há heróis ou vilões no sentido clássico desses termos, sempre afeitos apenas ao bem ou ao mal; Lygia escreve sobre a humanidade com tal proximidade do real que não cabem ali maniqueísmos de nenhuma sorte.

Não bastassem essas razões para a indicação de Lygia Fagundes Telles para prêmio tão importante, cabe ainda recordar que ela foi, juntamente com sua contemporânea Clarice Lispector, responsável por abrir caminhos para a nova literatura brasileira escrita por mulheres. Seu uso do fluxo de consciência e do discurso indireto livre para deixar que aflorem os pensamentos e sentimentos de suas personagens femininas antecipa a estratégia usada por inúmeras escritoras que trilharam os caminhos por ela abertos.

Oxalá venha a premiação, e não tarde: um Prêmio Nobel talvez fizesse com que os próprios brasileiros descobrissem a grande autora que temos em Lygia Fagundes Telles.


O texto foi originalmente publicado na página da Editora Dublinense.

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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