Escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária

Se fôssemos espremer um texto ficcional e disso depreender sua estrutura mais básica chegaríamos a duas coisas: enunciados de estado e enunciados de ação. Mas calma, isso é bem mais simples do que parece e ao longo deste texto apresentaremos algumas formas de compreender a estrutura narrativa.

Estrutura narrativa, como a expressão sugere, é aquilo que sustenta um texto, sem o qual ele não se torna cognoscível, compreensivo. Digamos assim, tem a ver as relações que ocorrem dentro do enredo e que transformam uma história em algo logicamente crível. Nós fazemos isso diariamente, apenas não pensamos sobre isso.

Enunciados de estado e de ação

No livro Para entender o texto. Leitura e redação, de José Luiz Fiorin e Francisco Platão Saviori, os autores definem enunciado de estado como “uma relação de posse ou de privação entre um sujeito e um objeto qualquer” (p. 55); os enunciados de ação “indicam a passagem de um enunciado de estado para outro” (p.55).

Em uma narrativa, esses enunciados são organizados de maneira complexa e reiterada por meio do texto ficcional. Pense no simplório exemplo: “Quando começou o temporal o gramado logo alagou e os jogadores tiveram que interromper o jogo. Minutos depois, os bombeiros conseguiram drenar e partida continuou.”

No primeiro enunciado (de estado) os jogadores estavam privados de praticar o jogo, contudo no segundo enunciado (de ação) os bombeiros empreenderam uma transformação nas condições dadas. É assim que funcionam essas estruturalidades. Viu, é bem mais simples do que parece, mas a consciência desta dinâmica torna nossos textos mais consistentes.

Fases da estrutura narrativa

Fiorin e Platão classificam as fases da estrutura narrativa em quatro níveis: Manipulação, Competência, Performance e Sanção. Vejamos quais são as características de cada uma delas.

  • Manipulação: diz respeito ao ato de um personagem induzir o outro a fazer algo. Para que isso funcione, contudo, é necessário que o personagem manipulado queira ou deva fazer algo. Pense em um soldado que é encorajado a fazer uma missão na qual está vacilante, o papel do comandante é convencê-lo a fazê-la;
  • Competência: nesta etapa da narrativa, aquele que foi manipulado precisa ter competência para fazer algo (considere, inclusive, que o desejo do próprio personagem pode manipulá-lo e que, portanto, a manipulação não depende, necessariamente, de fatores externos). Ou seja, necessita de predicados que tornem uma ação possível. Por exemplo, para que um soldado cumpra uma missão é necessário, antes de tudo, que seja um soldado treinado, que tenha competência para tal;
  • Performance: é a parte propriamente dita da ação, em que um personagem faz algo e isso traz consequências, geralmente de perdas e ganhos. Para que a missão do soldado seja cumprida, é preciso que o inimigo perca;
  • Sanção: é, grosso modo, a consequência da performance, que pode ser de ganho ou de perda, como escrevemos acima. A sanção pode ser positiva, uma recompensa; ou pode ser negativa, um prejuízo.
Imagem do Mar de Algarve, Portugal
Imagem do Mar de Algarve, Portugal (PxFuel CC)

A lição de Pessoa, os “objetos” na estrutura narrativa ficcional

Em primeiro lugar é preciso entender que “objeto” não está reduzido a uma materialidade imaginada ficcionalmente, pode ser qualquer coisa que um sujeito adquire. Pode ser uma casa, mas pode ser também uma posição no trabalho, um reconhecimento, uma perda familiar. Esse é o sentido do termo.

Basicamente há dois tipos de objetos, segundo Fiorin e Platão: 1) objeto para conseguir outros objetos; 2) o objeto “final”, aquilo que move as ações do sujeito para conquistá-lo.

Vejamos como isso funciona a partir de um excerto do poema Mar português, de Fernando Pessoa.

Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

(Fernando Pessoa, no livro Mensagem)

Portugal desejava ampliar seus territórios e para isso era necessário a posse do mar, ainda que a consequência fosse o choro das mães, as orações dos filhos e a tristeza das noivas. O mar era o “objeto” a ser conquistado (objeto final) e a “dor” – decorrente da travessia – era o meio (objeto para conseguir o objeto final) pelo qual o desejo final foi conquistado.

É interessante como as estruturas narrativas ganham outros contornos quando pensamos os aspectos que discutimos no caso concreto. Se torna ao mesmo tempo mais fácil e mais difícil. Mas exercitar esses níveis de leitura mais profundos são ótimos para aprimorar a escrita criativa e torná-la menos ingênua tecnicamente.

Clube de criação literária

Clube de Criação Literária é uma dessas ações de mecenato coletivo – neste caso, em favor do escritor e tradutor Robertson Frizero. Mas, como o próprio nome sugere, é uma ação de mecenato que traz, também, uma ideia inovadora no campo da formação continuada em Escrita Criativa.

Associando-se ao Clube, o participante colabora com o mecenato coletivo e tem acesso a conteúdo exclusivo sobre Criação Literária:

  • Material didáticoartigos resenhas de livros de interesse na área de Criação Literária;
  • Reuniões on-line e debates sobre Criação LiteráriaLiteratura Mercado Editorial;
  • Vídeos, áudios, apresentações e sessões de mentoria literária em grupo;
  • Sorteios mensais de livros e serviços de mentoria literária individual e leitura crítica.

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Roberson Frizero é escritor, tradutor, dramaturgo e professor de Criação Literária. É Mestre em Letras pela PUCRS e Especialista em Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras pela UFRGS. Sua formação inclui bacharelado em Ciências Navais pela Escola Naval (RJ). Seu livro de estreia, Por que o Elvis Não Latiu?, foi agraciado pelo Prêmio CRESCER como um dos trinta melhores títulos infantis publicados no Brasil. Seu romance de estreia, Longe das Aldeias, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, do Prêmio Açorianos de Literatura e escolhido melhor livro do ano pelo Prêmio Associação Gaúcha de Escritores – AGES. Foi, por três anos consecutivos, jurado do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – CBL.

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